terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Da minha janela

Florbela Espanca

Mar alto! Ondas quebradas e vencidas
Num soluçar aflito e murmurado...
Ovo de gaivotas, leve, imaculado,
Como neves nos píncaros nascidas!


Sol! Ave a tombar, asas já feridas,
Batendo ainda num arfar pausado...
Ó meu doce poente torturado
Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!


Meu verso de Samain cheio de graça,
Inda não és clarão já és luar
Como branco lilás que se desfaça!


Amor! teu coração trago-o no peito...
Pulsa dentro de mim como este mar
Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...

Nihil novum

Florbela Espanca

Na penumbra do pórtico encantado
De Bruges, noutras eras, já vivi;
Vi os templos do Egito com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.


No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti!
O silêncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado...


Mordi as rosas brancas de Ispaã
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca bárbara e deserta,


Triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida ? o mesmo estranho mal,
E o coração ? a mesma chaga aberta.

Toledo

Florbela Espanca

Diluído numa taça de oiro a arder
Toledo é um rubi. E hoje é nosso!
O sol a rir... Vivalma... Não esboço
Um gesto que me não sinta esvaecer...


As tuas mãos tacteiam-me a tremer...
Meu corppo de âmbar, harmonioso e moço,
É como um jasmineiro em alvoroço
Ébrio de sol, de aroma, de prazer!


Cerro um pouco o olhar, onde subsiste
Um romântico apelo vago e mudo
- Um grande amor é sempre grave e triste.


Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo...
Uma torre ergue ao céu um grito agudo...
Tua boca desfolha-me num beijo...

Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.


Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
cobre as areias desertas.


O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho dentro de um navio...


Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.


Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles

Navios-fantasmas

O arabesco fantástico do fumo
Do meu cigarro traça o que disseste,
A azul, no ar, e o que me escreveste,
E tudo o que sonhastes e eu presumo.

Para a minha alma estática e sem rumo,
A lembrança de tudo o que me deste
Passa como o navio que perdestes,
No arabesco fantástico do fumo...

Lá vão! Lá vão! Sem velas e sem mastros,
Têm o brilho rutilante de astros,
Navios-fantasmas, perdem-se a distância!

Vão-me buscar, sem mastros e sem velas,
Noiva-menina, a doidas caravelas,
Ao ignoto País da minha infância...
Florbela Espanca

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!


É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!


É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!


E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Apenas o Teu Amor


Quis dizer em forma de poema,quis em forma de canção,a alegria em que me encontro,mas com a voz no coração sóte posso dizer que te Amo.Contigo os pensamentos rolam á velocidade da luz,por sereso ser mais belo visto pelos meus olhos.O meu coração pede a tua presença apesar da distancia que nos separa.Amar é ter alguem que nos preencha a vida com o seu carinho dizendocoisas bonitas ditadas pelo coração.Amar não é pecado nenhum é preciso saber amar um coração quepulsa ao sabor do Amor.Tristeza é não ter ninguem qie alivie a dor do nosso coração,amaré ter um sentido único da pessoa que se deseja ter por companheira.Quando o coração chora por alguem distante e a tristeza se implanta na alma.

VitorAlbatroz

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ser mulher

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida, a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um Senhor...

Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

Gilka Machado

O teu olhar

Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,


Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;


Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!


E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa

Florbela Espanca

Saudade

De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,
de quem?

Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...

E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo...

De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo?

Gilka Machado